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O espírito carioca
em 4 artistas

Texto por Christiane Laclau

Fotografia por Daniel Ramalho

É impossível passar indiferente pelo Rio de Janeiro. Do barraco à mansão, a história é marcada pela diversidade. A cidade que é um grande empreendimento cultural, em meio à exuberância de águas e florestas, não teria como não ser uma fonte para a arte.

 

Marcos Chaves, por exemplo, incorpora a ironia carioca entre o visual e a palavra, como na ambiguidade de #AMARÉCOMPLEXO e EU SÓ VENDO A VISTA, e no registro das soluções para os buracos das ruas, chamadas por ele de “esculturas espontâneas”.

 

João Rivera inspira-se em ícones locais e na integração com o espaço. Cria máscaras de carnaval alegremente soturnas, conjugando susto e graça, e seus delicados móbiles, vivos como a vegetação, parecem filhotes de paisagem.

 

Gabriela Machado tem como referências a mata, as montanhas, o mar. Com pinceladas volumosas e indisciplinadas, de cores intensas, expressa o incontrolável das águas e a floresta em sua inquietude. É como se desvendasse a vida interna da natureza.

 

Barrão procura sua matéria-prima nos mercados de pulgas e nos antiquários. Inspirado nas gambiarras, funde cerâmicas da antiga realeza e com as da cultura popular, construindo híbridos tão divertidos e familiares, quanto estranhos e surreais.

 

A obra desses quatro artistas não seria a mesma sem uma relação íntima com o Rio de Janeiro.

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João Rivera

Um momento significativo na sua trajetória artística?

Há 7 anos, quando pendurei um móbile na ponta de uma vara de pesca no carnaval.

 

Um artista pelo qual você tenha grande admiração?

Vou citar 3. Não posso fugir do Calder, um artista totalmente inovador, criador de uma linguagem artística única, que fez da alegria e do jogo peças fundamentais de seu processo criativo. Aqui do Brasil vou citar o Carlito Carvalhosa, pela escola que foi trabalhar em seu ateliê por 4 anos. Um mestre na relação com o espaço. E falando do Rio e mais especificamente do meu bairro, gostaria de destacar o incrível artista Anatólio Silva, O gladiador dos ralinhos de pia, vendedor ambulante que faz ponto na cobal do humaitá com sua bicicleta mágica. Gostaria de incluir também uma outra escola, o atelier Azulejaria. Coletivo criado e coordenado pela artista Laura Taves, com quem colaboro desde 2015, e onde fiz meus primeiros móbiles. O ateliê atua principalmente nas favelas do complexo da Maré, criando painéis de azulejos a partir de oficinas de arte com grupos e temas específicos em parceria com a ONG Redes da Maré.

 

Uma dica que daria a um artista que esteja começando?

Brinque, divirta-se.

 

Aspectos únicos do Rio de Janeiro que influenciam sua obra?

O CARNAVAL!

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Gabriela Machado

Um momento significativo na sua trajetória artística?

Quando fiz uma exposição no CCBB-RJ no ano de 2002. Ocupei o espaço da rotunda do prédio com uma enorme instalação de papel, criando uma relação com o espaço ao redor. Neste momento pude perceber a escala pública no meu trabalho.

 

Um artista pelo qual você tenha grande admiração?

Alberto da Veiga Guignard

 

Uma dica que daria a um artista que esteja começando?

Ser fiel a sua poética

 

Aspectos únicos do Rio de Janeiro que influenciam sua obra?

As grandes e monumentais pedras (montanhas) da cidade estão ao nosso lado, a cada virada de esquina estamos com elas. Esta escala todos os dias em nosso olhar nos coloca numa outra dimensão. Estar dentro da água do mar perto da linha do horizonte podendo ver o brilho do sol refletido e ter a visão da cidade de longe sem barulho. Muita música para se tocar e ouvir na descoberta de lugares escondidos e imprevisíveis e claro a rua dos Carnavais que sempre são só descoberta de novos sentimentos e acasos. Este conjunto de coisas reflete totalmente na minha poética pois elas estão no meu dia a dia.

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Marcos Chaves

Um momento significativo na sua trajetória artística?

Eu diria que são alguns momentos significativos, um deles foi em 2002, quando fiz a Bienal de São Paulo, e o trabalho foi super bem recebido. Acordei de manhã no dia seguinte da inauguração, fui até a banca de jornal - a vida não era tão on line, estávamos no início dos anos 2000 - e quando cheguei, todos os jornais tinham fotos do meu trabalho, isso foi um impacto muito grande. Fiquei muito comovido em perceber a recepção que meu trabalho teve para um público tão grande. O outro foi quando fiz o Eu Só Vendo a Vista, um trabalho meu que era um vídeo e depois virou um múltiplo. Em seguida, teve o projeto dos relógios de rua do Rio, os relógios digitais. Um dia acordei e estava a cidade toda com a imagem do trabalho, e ficou um verão inteiro. Atualmente, um dos momentos mais significativos e emocionantes da minha vida foi quando hasteei a bandeira Vai Passar no mastro, no topo do Museu de Arte do Rio (MAR). Em um momento tão difícil do Brasil, isso realmente pra mim, foi muito emocionante e significativo. 

 

Um artista pelo qual você tenha grande admiração?

O artista pelo qual eu tenho grande admiração é o Antônio Dias e com quem eu tive a sorte de trabalhar por quase dez anos. Ele é um artista completo em todos os sentidos, filosoficamente, espiritualmente, artisticamente…A conectividade com o entorno, com o meio artístico e com o meio social do Antônio é impressionante, além da sua generosidade. Muitos artistas foram beneficiados por ela. Ele é, e vai ser sempre um grande artista. Espero que cada vez mais reconhecido pelo conjunto de sua obra.

 

Uma dica que daria a um artista que esteja começando?

A dica que eu dou para o artista que está começando é trabalhar bastante. Se informar sobre tudo, não só sobre arte. Ir ao cinema, ir ao teatro, participar de todas as artes para lapidar sua sensibilidade em todos os sentidos, em todos os meios, sabe? O visual, o auditivo, todos os meios, todos os sentidos. Tentar aprender ao máximo, ouvir mais do que falar acho que é o mais importante. Procurar alguém que admire, ficar por perto ou, de preferência trabalhar com alguém que admire. Aprender como se faz as coisas, em todos os sentidos, como deve se comportar em relação ao mercado, ao trabalho em si, às ansiedades. Eu acho que é falar menos e ouvir mais.

Aspectos únicos do Rio de Janeiro que influenciam sua obra?

O meu olhar não seria esse se eu não tivesse passado a minha vida no Rio de Janeiro. A maior parte do tempo passei no Rio. Esta maneira de olhar a cidade com a sua excentricidade e situação única que o Rio de Janeiro tem - que não só geográfica, mas social, econômica - é que me ensinaram a olhar para a cidade e ver coisas que só o Rio tem. Eu tenho uma série chamada Buracos, que só existe no Rio de Janeiro, eu já procurei isso em várias cidades do mundo, isso só acontece aqui, e é uma série que eu comecei a fazer nos anos 90. Só aqui que tem essa criatividade, essa solidariedade do povo, essa forma divertida de alertar as autoridades para que se conserte as coisas, para que ela faça parte, só acontece no Rio de Janeiro. Eu acho que a minha série dos Buracos é a que mais exemplifica isso. A criatividade das pessoas fazerem, eu considero, esculturas de maneira espontânea. Então isso é uma das coisas que me faz, que são marcantes para mim no Rio. Mas a praia é muito importante, essa ágora, esse lugar onde todo mundo se encontra, conversa, troca ideia, essa praia livre, que não se paga e que é grátis, não são todos os lugares do mundo que são assim. E A floresta, que para mim é importantíssima e é motivo de vários trabalhos meus. Eu nasci em Santa Tereza, e as paineiras, a floresta sempre foi o meu refúgio, realmente toda semana eu ia e tomava banho de água natural e olhava essa natureza barroca que a gente tem, os cipós, essas coisas contorcidas, essa natureza que na forma dela constrói a nossa personalidade, que também é fluida e orgânica, entende, é o Rio de Janeiro, é orgânico e é espontâneo.

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Barrão

Um momento significativo na sua trajetória artística?

Tenho um pouco de dificuldade de encontrar esse momento ou separar ele dentro desse tempo todo que eu estou trabalhando. Porque sempre o momento mais significativo parece ser o que está acontecendo. Eu tenho um pouco essa sensação e, às vezes, é difícil de separar um momento do outro. As coisas vão acontecendo, as mudanças, o trabalho se desenvolve de uma maneira muito fluida, vão se somando se desenrolando. Mas, talvez, me lembrando agora aqui de uma preparação para uma exposição que eu fiz em 2015 na Casa França Brasil, ali, um período antes da exposição, de preparação das obras no ateliê, foi super interessante, rolou uma energia muito legal de trabalho e uma fluidez na produção, talvez esse seja o momento significativo. Mas não acho que seja um destaque tão grande, imagino que é isso, é uma coisa que vai se desenrolando e está tudo um pouco integrado, então, tudo parece ser um grande momento significativo, ou então não aconteceu nada e eu não entendi ainda, sei lá…

 

Um artista pelo qual você tenha grande admiração?

O Tunga. Eu acho que ele tem uma obra muito complexa, um artista muito completo, muito preparado. Pena que tenha morrido num momento em que ele estava trabalhando muito e cheio de ideias. Mas, mesmo assim, apesar de ter morrido de certa maneira novo, deixou uma obra muito complexa, muito interessante, muito inteligente. Era um artista que sempre me surpreendia, não só pelas suas obras, como também pela sua conversa, sua inteligência, sua capacidade de entender essa coisa que é muito completa, não só visual, mas que envolve um monte de coisa. Era um artista bom de ouvir, de ver, um artista sensacional. Depois, gostaria de destacar o Luiz Zerbini e o Sérgio Mekler, meus parceiros no Chelpa-Ferro. Foram parceiros em descobertas, em experimentação de coisas, de ideias. Esses, então, seriam os artistas que eu destacaria.

 

Uma dica que daria a um artista que esteja começando?

A dica é prepare-se. Esteja ligado, conectado, concentrado, porque as coisas estão aí e é preciso captá-las. Tem que ter paciência, perseverança, vontade e se divertir.

 

Aspectos únicos do Rio de Janeiro que influenciam sua obra?

Eu sempre trabalhei no Rio, o meu trabalho tem uma relação com a cidade, eu procuro a minha matéria-prima pela cidade, em alguns lugares que eu frequento. Sempre foi assim, eu fui para a rua para procurar as coisas e trazer para o ateliê para trabalhar. Mas uma coisa que me interessa, que acontece muito no Rio, que acho interessante, é como as pessoas encontram soluções próprias para situações ou problemas que elas enfrentam. Então, eu acho que acaba tendo uma inteligência única para você resolver um problema específico, que é a famosa gambiarra, e eu me identifico muito com isso. Acho que a gente, no Rio de Janeiro, acaba achando soluções e improvisos para determinadas coisas que me interessam.

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